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18 outubro 2025

Verolme Brasil: Do Estaleiro Naval à Aposta Audaciosa em Armas Terrestres — Uma História de Inovação e Crise na Indústria Nacional

 

VEROLME

Verolme Brasil: Do Estaleiro Naval à Aposta Audaciosa em Armas Terrestres — Uma História de Inovação e Crise na Indústria Nacional


Entre os anos 1960 e 1980, o Brasil vivenciou um dos períodos mais dinâmicos da sua indústria pesada. Nesse cenário, a Verolme Brasil, subsidiária da gigante holandesa Verolme Verenigde Scheepswerven, instalada em Angra dos Reis (RJ) em 1959, destacou-se como um dos maiores e mais modernos estaleiros do país, ao lado da Ishikawajima do Brasil. Por duas décadas, a empresa foi um pilar da construção naval nacional, entregando petroleiros, navios de carga e embarcações especializadas com tecnologia de ponta.

Mas o início dos anos 1980 trouxe uma virada dramática. Com o país mergulhado em recessão econômica, a crise da dívida externa e o fim dos subsídios estatais ao setor naval, a Verolme — como toda a indústria do setor — viu seu modelo de negócios ruir. Diante do colapso, a empresa tomou uma decisão ousada: diversificar radicalmente. E foi nesse contexto de sobrevivência que a Verolme deixou os estaleiros e entrou, de forma inusitada, no mundo dos veículos militares terrestres — uma saga quase esquecida, mas fascinante.


A Diversificação como Estratégia de Sobrevivência

Em 1983, logo após ser vendida a um grupo de investidores brasileiros, a Verolme anunciou um ambicioso plano de reestruturação. Longe de se limitar à construção naval, a empresa exploraria atividades agropecuárias (como criação de gado e plantio de soja, com incentivos fiscais) e, mais surpreendentemente, usaria sua capacidade industrial ociosa para fabricar:

  • Embarcações militares
  • Dragas
  • Equipamentos pesados para mineração e construção civil
  • Veículos especiais terrestres

A primeira tentativa foi a produção de um caminhão fora-de-estrada de 200 toneladas, com tração elétrica da General Electric, sob licença de uma empresa norte-americana não identificada. O projeto, no entanto, fracassou devido à impossibilidade de fechar um acordo de transferência de tecnologia.

Sem desistir, a Verolme voltou-se então para um nicho mais acessível: veículos de combate a incêndio.


O Caminhão São Bernardo: Sucesso Técnico, Limitado Comercialmente

Em julho de 1985, a Verolme apresentou seu primeiro produto terrestre concluído: o caminhão de combate a incêndio em aeroportos "São Bernardo". Embora baseado inicialmente no furgão Mercedes-Benz 608 D, a versão final utilizou componentes da Scania, demonstrando a capacidade da empresa de integrar tecnologias de alto nível.

Características técnicas do São Bernardo:

  • Chassi, eixos, caixa de câmbio e motor Scania (370 cv)
  • Tração 4x4 com bloqueio de diferenciais
  • Peso operacional: 14 toneladas
  • Tanques para água, espuma e pó químico
  • Bomba de alta pressão: vazão de até 4.000 litros por minuto, com alcance de 60 metros
  • Carroceria em alumínio, com cabine avançada e design moderno

O veículo foi comercializado em pequena escala, principalmente para aeroportos brasileiros, tornando-se o único produto terrestre da Verolme a entrar em produção real.


O Projeto Militar Mais Ambicioso: O Obuseiro AS90 Mallet

Paralelamente, a Verolme mergulhou em um projeto militar de alto risco e alto potencial: a fabricação de obuses para a OTAN.

Inicialmente, a ideia era produzir sob licença o FH 70, um obuseiro rebocado de 155 mm desenvolvido em parceria pela Vickers (Reino Unido), Rheinmetall (Alemanha) e Oto Melara (Itália), com alcance de 30 km e ampla adoção entre países da aliança.

Mas o plano logo evoluiu para algo muito mais complexo: a construção de uma versão autopropelida sobre lagartas, equipada com o mesmo canhão do FH 70. Esse novo sistema, ainda em desenvolvimento pela Vickers, seria chamado AS90 Mallet — uma variante experimental do que viria a se tornar o famoso AS90 Braveheart.

A Verolme foi escolhida para construir o protótipo, aproveitando sua expertise em estruturas metálicas pesadas. O veículo foi concluído a tempo de ser exibido na British Army Equipment Exhibition em junho de 1986.

Especificações do protótipo AS90 Mallet (Verolme):

  • Calibre: 155 mm
  • Alcance de tiro: 41 km (com munição assistida por foguete)
  • Peso total: 35 toneladas (com 42 obuses a bordo)
  • Motor: Cummins de 600 cv (importado dos EUA)
  • Autonomia: 500 km
  • Cadência de tiro: 6 tiros por minuto, graças a sistema automático de pontaria
  • Blindagem: inexistente (projetado para operar em retaguarda)

Apesar do sucesso técnico do protótipo, o colapso financeiro da Verolme impediu a continuidade do projeto. O acordo com a Vickers foi cancelado, e o desenvolvimento do AS90 seguiu exclusivamente no Reino Unido.

Hoje, o AS90 é produzido em série pela BAE Systems (sucessora da Vickers) e permanece em serviço ativo no Exército Britânico e em outros países.


O Fim da Verolme Brasil e o Legado Industrial

A crise estrutural da indústria naval brasileira, somada à instabilidade macroeconômica dos anos 1980 e 1990, selou o destino da Verolme. Em 1991, já em concordata, o estaleiro foi adquirido pelo empresário Nelson Tanure, que também assumiu a Emaq e, posteriormente, a Ishikawajima. Sob seu comando, os ativos foram desmantelados ou paralisados, levando as empresas à pré-falência.

Somente em 2000, após anos de inatividade, o estaleiro de Angra dos Reis foi resgatado pelo grupo Keppel Fels, de Cingapura — que, ironicamente, também havia adquirido a própria Verolme holandesa. A unidade brasileira passou a operar como Keppel Verolme Brasil, focada em reparos navais e construção de módulos offshore.


Conclusão: Uma Lição de Inovação em Tempos de Crise

A trajetória da Verolme Brasil é mais do que a história de um estaleiro. É um retrato da engenhosidade industrial brasileira diante da adversidade. Ao tentar produzir caminhões de combate a incêndio e até obuses para a OTAN, a empresa demonstrou que a capacidade técnica existia — o que faltou foi apoio institucional, estabilidade econômica e visão de longo prazo.

Seu legado permanece como um alerta e uma inspiração: em tempos de crise, a diversificação pode ser um caminho — mas só prospera com planejamento, parcerias sólidas e um ecossistema industrial saudável.

A Verolme não sobreviveu. Mas suas ambições, especialmente o protótipo AS90 Mallet, provam que o Brasil poderia ter sido muito mais na indústria de defesa — se tivesse tido a chance.


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Subsidiária da Verolme holandesa instalada em 1959 em Angra dos Reis (RJ), foi por duas décadas, ao lado da Ishikawajima, um dos maiores e mais ativos estaleiros do país. Em 1983 a empresa foi vendida para investidores brasileiros. O país mal saíra da recessão econômica, que vinha do início da década. Toda a indústria naval brasileira se encontrava em profunda crise, agravada pela redução dos subsídios estatais para o setor. A exemplo dos fabricantes de material ferroviário, que passavam por iguais tensões, os estaleiros buscaram na diversificação um caminho para a sobrevivência. A Verolme foi uma das primeiras a procurar saídas fora de seu mercado principal.
Ainda em 1983 a empresa anunciou seu plano de investimentos, que incluía desde a criação de gado e plantação de soja mediante incentivos fiscais até a utilização da capacidade ociosa das suas instalações para a fabricação de embarcações militares, dragas e equipamentos pesados para mineração e construção civil, inclusive autopropelidos.
O primeiro veículo cogitado foi um caminhão fora-de-estrada para 200 t, com tração elétrica GE, a ser fabricado sob licença de uma empresa norte-americana não revelada; sem conseguir fechar um acordo de transferência de tecnologia, a Verolme desistiu do projeto. A seguir enveredou para o segmento de carros de bombeiro, produzindo algumas unidades a partir do furgão Mercedes-Benz 608 D. Suas iniciativas teriam um pouco mais sucesso na área militar, embora para aplicações terrestres e não navais.
O primeiro equipamento completo a ser concluído – e único a ser comercializado em pequena quantidade – foi o caminhão para combate a incêndio em aeroportos São Bernardo, apresentado em julho de 1985. Dotado de tração nas quatro rodas, toda mecânica foi emprestada da Scania (chassi, eixos, caixa de cinco marchas com redução, motor de 370 cv). Com peso operacional de 14 t, possuía bloqueio dos diferenciais, guincho, tanques para água, espuma e pó e moderna carroceria de alumínio de perfil baixo e cabine avançada; sua bomba de alta pressão permitia vazões de até 4.000 l/min e alcance de 60 m.
O segundo projeto militar da Verolme, do qual foi construído apenas o protótipo, teve gestação mais lenta. Os planos iniciais previam a fabricação seriada, para exportação para a Europa e EUA, de um obuseiro rebocado (FH 70) com alcance de 30 km, arma então adotada pelas tropas da Otan. Projetado para disparar projéteis de 155 mm, foi desenvolvido em conjunto pela britânica Vickers, a alemã Rheinmetall e a italiana Oto Melara. O projeto acabou se desdobrando em outro muito mais ambicioso: a produção, também para os países-membros da Otan, de um obuseiro autopropelido sobre lagartas, a ser equipado com o canhão do FH 70. Ainda em fase de desenvolvimento pela Vickers, teria motor Cummins de 600 cv, importado dos EUA. Por ser arma de retaguarda, o veículo não teria blindagem.
Oficialmente denominado AS90 Mallet, a Verolme foi responsabilizada pela construção do protótipo, concluído a tempo de ser exposto em junho de 1986 na British Army Equipment Exhibition. Nos testes o carro revelou peso de 35 t (incluindo 42 obuses a bordo), autonomia de 500 km e alcance de tiro de 41 km. O sistema automático de pontaria permitia a cadência de seis lançamentos por minuto.
Os prejuízos permanentes ocasionados pela instabilidade do setor naval, porém, não conseguiram ser neutralizados pelos novos negócios da Verolme. O quadro econômico-financeiro da empresa se deteriorou, inviabilizando o acordo com a Vickers. Em 1991, já concordatário, o estaleiro foi comprado pelo polêmico empresário Nelson Tanure, que já controlava a Emaq, em menos de três anos também assumiria a Ishikawajima e em pouco tempo colocaria todas em situação pré-falimentar.
Depois de passar por longo período de inatividade, no ano 2000 a Verolme passou a ser administrado pelo grupo Keppel Fels, sediado em Cingapura, ironicamente hoje também controlador da Verolme holandesa. Quanto ao obuseiro AS90, foi colocado em produção seriada na Grã-Bretanha, sendo até hoje fabricado em grande quantidade pela BAE Systems, sucessora da Vickers.