TRANSPORTES DO MUNDO TODO DE TODOS OS MODELOS: Biselli: A Indústria Brasileira que Modernizou Tanques e Sonhou com Veículos Anfíbios

27 outubro 2025

Biselli: A Indústria Brasileira que Modernizou Tanques e Sonhou com Veículos Anfíbios

 

BISELLI

Biselli: A Indústria Brasileira que Modernizou Tanques e Sonhou com Veículos Anfíbios

Fundada em 1961 em São Paulo (SP) por um grupo de ex-sócios da tradicional Massari, a Biselli Viaturas e Equipamentos Industriais Ltda. rapidamente se destacou no setor de carrocerias e implementos rodoviários. Em poucos anos, tornou-se uma das quatro maiores empresas do ramo no Brasil — mas foi seu envolvimento com o Programa Militar Brasileiro nos anos 1970 que inscreveu seu nome na história da indústria de defesa nacional.


Entrada no Setor de Defesa

A aproximação com as Forças Armadas começou com a produção de carrocerias para transporte de valores e, em seguida, com o fornecimento de reboques e estruturas especiais para o Exército e a Marinha. Esse relacionamento estreito levou a Biselli a ser convidada a participar diretamente do esforço de nacionalização e modernização do parque blindado brasileiro — um marco do Programa Militar Brasileiro da época.

Seu primeiro grande desafio veio em 1973, quando o Exército Brasileiro a encarregou de repotenciar os tanques M3A1 Stuart, veículos leves sobre esteiras da Segunda Guerra Mundial, cedidos pelos EUA nos anos 1950 sob os Acordos de Assistência Militar. Tecnologicamente obsoletos, com motores radiais a gasolina de alto consumo e peças de reposição indisponíveis, os Stuarts foram escolhidos para um projeto-piloto de modernização conduzido por órgãos de P&D do Exército com apoio de empresas privadas.


Do M3A1 Stuart ao X1-A1: O Primeiro Tanque Nacional

A intervenção da Biselli foi tão profunda que resultou, na prática, em um novo veículo blindado: o X1-A1.

As principais modificações incluíram:

  • Substituição do motor por um diesel Scania de 280 cv;
  • Reforço da blindagem;
  • Instalação de lagartas mais largas;
  • Redesenho da traseira para acomodar novos radiadores, com uma grade horizontal característica;
  • Torre totalmente nova, projetada pela Bernardini, equipada com canhão de 90 mm e sistema óptico moderno de pontaria.

Embora o câmbio e a transmissão tenham sido mantidos (recondicionados pelo próprio Exército), o resultado foi histórico: o X1-A1 tornou-se o primeiro carro de combate sobre lagartas 100% nacionalizado, com todas as peças produzidas no Brasil.

Cinquenta e três unidades foram modernizadas com sucesso.


Evolução para o X1-A2 Carcará

A experiência com o X1-A1 abriu caminho para uma versão ainda mais avançada. Surgiu então o X1-A2 Carcará, com melhorias radicais:

  • Transmissão automática Allison;
  • Nova suspensão, desenvolvida pela Bernardini, com seis roletes de apoio por lado (antes eram quatro);
  • Casco alongado em 20 cm para acomodar a nova suspensão;
  • Torre maior com acionamento hidráulico, fabricada pela Engesa;
  • Tripulação reduzida a três homens;
  • Peso total de 20 toneladas;
  • Velocidade máxima de 60 km/h e autonomia de 580 km.

O Carcará entrou em produção seriada, consolidando a Biselli como parceira estratégica em projetos de engenharia militar — mesmo que em papel de executora, não de projetista principal.


Outras Participações Militares

Em 1975, a Biselli foi envolvida no projeto frustrado de modernização dos tanques Sherman, encarregada de reformular a suspensão do veículo, já previamente remotorizado. Embora o programa não tenha avançado, a empresa manteve presença constante em iniciativas ligadas a blindados e sistemas derivados, como:

  • Lança-foguetes;
  • Lança-pontes;
  • O tanque Caxias — todos baseados na plataforma Carcará e desenvolvidos principalmente pela Bernardini.

O Camanf: O Sonho Anfíbio da Marinha

No mesmo ano de 1975, a Marinha do Brasil convidou a Biselli a desenvolver um substituto para os antigos anfíbios DUKW da Segunda Guerra, ainda em uso pelos Fuzileiros Navais.

O resultado foi o Camanf (Caminhão Anfíbio), cujos primeiros protótipos foram concluídos em 1978. Construído sobre um chassi Ford F-7000 modificado, com tração 6×6, o veículo contava com:

  • Motor Detroit Diesel nacional de 145 cv;
  • Transmissão GMC, acionando rodas e duas hélices na popa;
  • Pneus à prova de bala com sistema de regulagem remota de pressão;
  • Casco de aço com proa reforçada e guincho traseiro.

Os testes da Marinha demonstraram desempenho sólido:

  • Capacidade de carga: 5 toneladas (58 soldados + motorista; reduzida à metade em mar agitado);
  • Tração adicional: 2,5 toneladas;
  • Na terra: 72 km/h e 430 km de autonomia;
  • Na água: 14 km/h e 18 horas de autonomia;
  • Capacidade de vencer rampas de até 60%.

Apesar da aprovação técnica, apenas 5 dos 25 veículos planejados foram encomendados — um revés comum em projetos militares da época.


A “Mula Mecânica”: Último Projeto Automotor

Ainda nos anos 1970, a Biselli desenvolveu seu segundo e último veículo próprio: uma “mula mecânica”, categoria militar de veículos leves, espartanos e lançáveis por pára-quedas.

Características:

  • Chassi com alta torção, ideal para terrenos irregulares;
  • Motor Volkswagen 1300 refrigerado a ar;
  • Velocidade máxima de 70 km/h;
  • Configuração mínima: podia transportar 4 pessoas + carga ou motorista + operador de canhão de 105 mm.

Embora engenhoso, o projeto nunca saiu do papel experimental.


Declínio e Fim

Diante das limitações do mercado militar brasileiro — altamente concentrado e com baixa demanda externa —, a Biselli tentou diversificar. Em 1977, firmou parceria com a italiana Cometto para fabricar reboques extra-pesados (capazes de transportar cargas de até 750 toneladas). Contudo, a recessão econômica do final dos anos 1970 inviabilizou o empreendimento.

Em 1980, tentou retornar ao segmento civil de carros-fortes para transporte de valores, com unidades pré-montadas para rápida instalação em chassi, mas sem sucesso comercial.

A empresa foi uma das primeiras vítimas da desaceleração do Programa Militar Brasileiro. Nunca chegou ao “primeiro escalão” da indústria de defesa, atuando como subfornecedor em projetos liderados por outras empresas, como Bernardini e Engesa. Seus dois únicos veículos próprios — o Camanf e a mula mecânica — não tiveram encomendas significativas e careciam de conteúdo tecnológico exportável.

Com a crise econômica do início dos anos 1980 afetando também seu núcleo civil, a Biselli requereu concordata em 1984. Sobreviveu por duas décadas como fabricante de implementos rodoviários, mas encerrou definitivamente as portas em 2004.


Legado

Embora tenha tido vida curta no setor de defesa, a Biselli desempenhou papel crucial em momentos-chave da autonomia tecnológica militar brasileira. Sua contribuição para a modernização do M3A1 Stuart gerou o primeiro tanque nacional sobre lagartas, pavimentando o caminho para futuros projetos blindados.

Mais do que uma fabricante, foi um elo entre o setor privado e o esforço de soberania em defesa — um capítulo importante, ainda que pouco lembrado, da indústria bélica brasileira.


#Biselli #IndústriaMilitarBrasileira #X1A1 #X1A2Carcará #HistóriaMilitar #ForçasArmadasBrasileiras #TanquesBrasileiros #ProgramaMilitarBrasileiro #DefesaNacional #EngenhariaNacional #Camanf #M3A1Stuart #Bernardini #Engesa #HistóriaDaIndústria #SoberaniaTecnológica #BlindadosBrasileiros #ExércitoBrasileiro #MarinhaDoBrasil #HistóriaMilitarBR

Fábrica de carrocerias de caminhão e implementos rodoviários fundada em 1961, em São Paulo (SP), por um grupo de antigos sócios da Massari. Com a razão social Biselli Viaturas e Equipamentos Industriais Ltda., a empresa cresceu rapidamente e em poucos anos se tornou uma das quatro maiores do setor. Nos anos 70 começou a produzir carros para transporte de valores e logo passou a fornecer carrocerias e reboques para o Exército e a Marinha. Esses fornecimentos estreitaram o seu relacionamento com as Forças Armadas, que a convidaram a participar diretamente do Programa Militar Brasileiro, em conjunto com outras empresas privadas. Seus primeiros comissionamentos ocorreram em 1973, quando foi encarregada pelo Exército Brasileiro de realizar o repotenciamento dos velhos carros de combate norte-americanos M3A1 Stuart. Estes eram tanques leves sobre esteiras da II Guerra Mundial, cedidos ao Brasil nos anos 50 por conta dos Acordos de Assistência Militar Brasil-EUA. Desatualizados tecnologicamente, equipados com motores radiais a gasolina de elevado consumo e necessitando de peças de reposição não encontradas no mercado, foram escolhidos pelos órgãos de pesquisa e desenvolvimento do Exército para um projeto piloto de modernização, do qual a Biselli e outras empresas privadas foram convidadas a participar.
Os parâmetros e especificações definidos levaram a uma reforma tão profunda que deu origem a um novo tanque – o X1-A1. A modernização envolveu troca do motor por uma unidade diesel Scania de 280 cv, reforço da blindagem, lagartas mais largas e alteração do desenho da carroceria para alojar os novos componentes (especialmente na traseira, que recebeu uma grade horizontal acomodada aos novos radiadores); câmbio e transmissão permaneceram os originais, sendo recondicionados pelo próprio Exército. A torre foi substituída por outra, projetada pela Bernardini, equipada com canhão de 90 mm e moderno sistema ótico de pontaria. Com 100% de nacionalização, este foi o primeiro carro de combate sobre lagartas construído no país.
Após a modernização de 53 unidades, modificações ainda mais radicais foram introduzidas, as principais das quais a transmissão automática Allison e nova suspensão (da Bernardini) com seis roletes de apoio de cada lado, em lugar de quatro. A nova suspensão, por sua vez, obrigou ao aumento das dimensões do veículo, 20 cm mais longo, e à construção de novo casco. A mecânica continuou a mesma, mas foi aplicada uma torre maior, com acionamento hidráulico, fabricada pela Engesa. O novo blindado, com 20 toneladas, acolhia três tripulantes e atingia 60 km/h, com 580 km de autonomia. Sob a designação X1-A2 Carcará, entrou em produção seriada.
Em 1975 foi envolvida no processo (frustrado) de modernização dos tanques Sherman, do Exército. Naquela oportunidade a Biselli foi encarregada de alterar a suspensão do carro, que pouco antes já havia sido remotorizado e submetido a profunda reforma. A partir daí a presença da empresa passou a ser constante nos trabalhos que envolvessem blindagens, se estendendo aos projetos e à construção do lança-foguetes e do lança-pontes derivados do Carcará e, mais tarde, do tanque Caxias (todos fabricados pela Bernardini).
biselli2-texto
Tanque X1-A2 Carcará (fonte: site forum.wotbrasil).
Também em 1975 foi contatada pela Marinha para construir um sucedâneo dos anfíbios norte-americanos DUKW, equipamentos da II Guerra ainda em uso pelos Fuzileiros Navais, destinados a ações de embarque e desembarque de tropas, inclusive em situação de mar agitado. Os primeiros protótipos foram concluídos em 1978 e submetidos aos testes usuais, que aprovaram o projeto e sugeriram alterações adicionais. As modificações foram agregadas, mas dos 25 anfíbios programados pela Marinha apenas cinco foram encomendados. Batizado Camanf (de “caminhão anfíbio”), o veículo foi construído sobre chassi Ford F-7000 modificado, com tração 6×6 e motor nacional Detroit Diesel de 145 cv, que através de uma caixa de transmissão GMC acionava as rodas e as duas hélices da popa. Os pneus eram à prova de bala e tinham sistema remoto de regulagem da pressão do ar. Seu casco, fabricado em aço, tinha proa reforçada e guincho na traseira. Os testes da Marinha indicaram o seguinte desempenho: capacidade de carga de 5 t (motorista mais 58 homens; em mar agitado a capacidade era reduzida pela metade), podendo tracionar mais 2,5 t; na terra, velocidade de 72 km/h e autonomia de 430 km (no mar, 14 km/h e 18 horas de autonomia); vencimento de rampas de até 60%.
Naquele período a Biselli projetou seu segundo (e último) veículo automotor – uma “mula mecânica”, segundo o jargão militar uma categoria de carros de construção espartana, baixo peso e sem carroceria ou cabine fechadas, capazes de serem lançados de pára-quedas e eventualmente descartados ao final das ações de combate. O carro trazia um chassi com alta capacidade de torção, bem adaptado às irregularidades do terreno; era acionado pelo motor Volkswagen 1300 refrigerado a ar, que levava o veículo a até 70 km/h, na estrada. Dependendo da carroceria (reduzida ao mínimo essencial), podia transportar quatro pessoas e carga, ou o motorista e um operador de canhão de até 105 mm.
Pressentindo limitações no mercado militar, a empresa buscou diversificar sua atividade principal – a produção de equipamentos de transporte de carga – em 1977 firmando um acordo de cooperação com a italiana Cometto, voltado para a construção de reboques extra-pesados para cargas indivisíveis; a médio prazo seriam também fabricados modelos automotrizes para até 750 t. A recessão econômica, contudo, se avizinhava e o projeto logo foi abandonado. Em 1980 a empresa tentou retornar ao mercado de carros-forte para o transporte de valores, do qual havia se retirado dois anos antes; pretendia se especializar na fabricação de unidades pré-montadas “para rápida colocação sobre o chassi“, mas não teve sucesso.
A Biselli foi uma das primeiras vítimas da desaceleração do Programa Militar Brasileiro. A empresa nunca fez parte do primeiro escalão dos fabricantes de equipamento militar do país, participando marginalmente, como sub-fornecedor na modernização de tanques usados. Os dois únicos veículos pelos quais foi responsável não tinham conteúdo tecnológico significativo nem obtiveram encomendas das Forças Armadas; assim, nunca teve o que oferecer ao mercado externo. Em paralelo, a recessão econômica do início da década de 80 trouxe dificuldades também para seus negócios civis, levando-a a requerer concordata em 1984. A empresa sobreviveu, contudo, mantendo-se como fabricante de equipamentos de transporte. Em 2004 encerrou as portas definitivamente.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário