TRANSPORTES DO MUNDO TODO DE TODOS OS MODELOS: Bernardini: A Forja do Blindado Nacional e o Sonho Interrompido da Soberania Militar Brasileira

23 outubro 2025

Bernardini: A Forja do Blindado Nacional e o Sonho Interrompido da Soberania Militar Brasileira

 

BERNARDINI

Bernardini: A Forja do Blindado Nacional e o Sonho Interrompido da Soberania Militar Brasileira

Fundada em 1912 por imigrantes italianos em São Paulo (SP), a Bernardini S.A. Indústria e Comércio começou sua trajetória fabricando cofres, portas blindadas e móveis de aço — produtos que refletiam segurança, resistência e precisão. Pouco se imaginaria, naquela época, que essa empresa familiar se tornaria, décadas depois, uma das principais arquitetas da indústria de blindados do Brasil, responsável por projetos que marcaram a história da defesa nacional.

Ao longo de quase 90 anos de existência, a Bernardini transitou entre o mundo civil e o militar, até mergulhar de corpo e alma na missão de dotar o Exército Brasileiro de veículos de combate nacionais, autônomos e competitivos. Seu legado inclui o M41-C Caxias, o icônico MB-3 Tamoyo e uma série de protótipos visionários — muitos dos quais, infelizmente, jamais saíram do papel ou foram interrompidos pela crise que abateu a indústria de defesa brasileira nos anos 1990.

Hoje, com as portas fechadas desde 2001, a Bernardini permanece como um símbolo de ambição tecnológica, engenharia nacional e soberania estratégica interrompida.


🔒 Das Oficinas Civis aos Campos de Batalha

Durante décadas, a Bernardini consolidou-se como referência em segurança física — seus cofres eram sinônimo de confiabilidade em bancos e empresas. Foi apenas na década de 1960 que a empresa deu seus primeiros passos no setor militar, fabricando carrocerias para caminhões dos Fuzileiros Navais e do Exército, além de viaturas blindadas para transporte de valores.

Mas o verdadeiro ponto de virada veio em 1972, quando o Exército Brasileiro convidou a empresa a participar da modernização dos obsoletos tanques M3-A1 Stuart, um projeto liderado pela Biselli. À Bernardini coube uma tarefa crucial: desenvolver a torre blindada e o sistema de suspensão do novo veículo.

O resultado foi tão transformador que o tanque reformado deixou de ser uma simples atualização — tornou-se um novo modelo nacional: o X1-A1, posteriormente evoluído para o X1-A2 Carcará, o primeiro carro de combate sobre lagartas inteiramente projetado e construído no Brasil.


⚙️ A Família Carcará: Inovação sobre Esteiras

A partir do chassi do X1-A1, o Exército e a Bernardini criaram uma pequena família de veículos especializados:

  • XLF-40: Carro Lançador Múltiplo de Foguetes, capaz de disparar três foguetes X-40 da Avibras com alcance de até 65 km. Equipado com quatro sapatas hidráulicas para estabilização. Apenas um exemplar foi construído.

  • XLP-10: Lançador de Ponte com estrutura de alumínio, capaz de desdobrar uma ponte de 10 metros em apenas três minutos, suportando 20 toneladas. Foram produzidas cinco unidades (um protótipo + quatro operacionais).

  • M3 Antiaéreo (1982): protótipo equipado com quatro metralhadoras (3.200 tiros/min) e mira ótica. Nunca avançou além dos testes.

Esses projetos demonstraram a capacidade da Bernardini de adaptar plataformas básicas a múltiplas funções táticas — uma marca da engenharia militar brasileira: versatilidade, simplicidade e baixo custo.


🛡️ O M41-C Caxias: A Modernização que Salvou uma Frota

Enquanto os Stuart eram modernizados, o Exército enfrentava um problema maior: sua frota de 250 tanques M41 Walker Bulldog, adquiridos dos EUA na década de 1960, estava se tornando insustentável. Movidos a gasolina, com consumo absurdo de 3,3 litros por quilômetro, e dependentes de peças cada vez mais raras, os M41 ameaçavam sair de operação.

A solução? Uma reforma radical, conduzida pela Bernardini a partir de 1980:

  • Motor Scania V8 diesel turbocomprimido (400 cv), aumentando a autonomia de 280 para 600 km
  • Transmissão, caixa, lagartas, suspensão, rádio e sistema de pontaria nacionalizados
  • Canhão de 76 mm usinado para 90 mm, padronizando munição com o EE-9 Cascavel da Engesa
  • Blindagem frontal reforçada e adição de saias laterais de aço em alguns modelos

O resultado foi o M41-C Caxias — um tanque renovado, eficiente e 100% adaptado às necessidades brasileiras. A Bernardini produziu cerca de 150 unidades e exportou kits de conversão para outros países. Até hoje, os Caxias compõem a espinha dorsal da frota de blindados sobre esteiras do Exército Brasileiro.


🦅 O MB-3 Tamoyo: O Auge e o Canto do Cisne

Inspirado pelo sucesso do Caxias, o Exército decidiu dar um salto ainda maior: criar um carro de combate totalmente nacional, capaz de substituir o Caxias no longo prazo. Assim nasceu, em 1979, o projeto X-30, que em maio de 1984 foi apresentado ao público como MB-3 Tamoyo — nome em homenagem ao cacique indígena que resistiu aos colonizadores portugueses.

Especificações do Tamoyo (versão básica):

  • Peso: 30 toneladas
  • Nacionalização: 98% em peso
  • Motor: Scania V8 diesel biturbo, 736 cv
  • Transmissão: herdada do Caxias, com desmontagem rápida
  • Suspensão: barras de torção com 6 rodas de apoio por lado
  • Armamento: canhão de 90 mm
  • Tripulação: 4 homens, com ar-condicionado
  • Tecnologias: computador de tiro, pontaria a laser, proteção QRB (química, radiológica, biológica) e visores infravermelhos

O Tamoyo foi elogiado por equilibrar alta tecnologia, simplicidade operacional e custo acessível — características típicas do "jeito brasileiro" de fazer defesa.

Versões Exportação: Tamoyo II e III

Para atrair o mercado internacional, a Bernardini desenvolveu versões mais sofisticadas:

  • Tamoyo II: motor Detroit Diesel, canhão britânico de 105 mm, blindagem composta aço-cerâmica, estabilização de canhão (tiro em movimento) e computador de bordo.
  • Tamoyo III: motor de 900 cv, transmissão Allison, telêmetro laser e blindagem ainda mais avançada.

Mas o sonho não vingou. Apenas cinco exemplares do Tamoyo foram construídos. O projeto tornou-se, tragicamente, o "canto do cisne" da empresa.


🚗 Projetos Secundários: Viaturas Leves e Sobrevivência

Diante da incerteza no segmento de tanques, a Bernardini buscou diversificação:

  • Xingu (1985): jipe militar baseado no Toyota Bandeirante, com chassi alongado, guincho, santantônio e suspensão reforçada. Participou de concorrências, mas não foi adotado em larga escala.

  • AM-IV (1988): blindado anti-distúrbio 4×4, com cabine protegida, seteiras, lançadores de gás lacrimogêneo, filtro QRB e ar-condicionado. Cerca de 50 unidades foram produzidas, a maioria exportada para o Chile.

Esses veículos deram uma sobrevida temporária à empresa, mas não foram suficientes para sustentar sua estrutura industrial diante da ausência de grandes encomendas.


💔 O Fim: Crise, Concorrência e Abandono

A década de 1990 foi fatal para a indústria de defesa brasileira:

  • Cortes orçamentários drásticos após a posse do presidente Fernando Collor
  • Fim do apoio estatal ao desenvolvimento de equipamentos militares nacionais
  • Proliferação de blindados usados no mercado internacional, vendidos a preços irrisórios
  • Concorrência interna suicida, especialmente com a Engesa, que desenvolvia seu próprio tanque, o Osório

Sem encomendas do Exército, sem acesso a mercados externos e sem capital para competir globalmente, a Bernardini viu seu futuro desmoronar. A Engesa faliu em 1993. Em 2001, após quase 90 anos de história, a Bernardini encerrou definitivamente suas atividades.

O Brasil voltou a importar excedentes de guerra — exatamente como fazia antes dos anos 1970.


🏛️ Legado: Mais que Máquinas, um Sonho de Soberania

A Bernardini não foi apenas uma fábrica de blindados. Foi um laboratório de soberania tecnológica, onde engenheiros brasileiros provaram que o país podia conceber, produzir e operar sistemas de combate de alto nível sem depender do exterior.

Seus veículos — do Carcará ao Caxias, passando pelo visionário Tamoyo — carregam consigo lições de engenharia, patriotismo e resiliência. E também um alerta: sem política industrial consistente, apoio estatal contínuo e visão de longo prazo, mesmo os projetos mais brilhantes estão condenados ao esquecimento.

Hoje, enquanto o Exército retoma esforços de modernização com programas como o VBCO Guarani e o Astros 2020, a história da Bernardini serve como referência e inspiração — e como lembrança do que o Brasil perdeu quando desistiu de sonhar com sua própria defesa.


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A Bernardini S.A. Indústria e Comércio foi fundada em 1912, em São Paulo (SP), por imigrantes italianos. A empresa se desenvolveu como fabricante de cofres, portas blindadas e móveis de aço. Na década de 60 teve suas primeiras experiências no setor automotivo e na área militar, ao fabricar carrocerias para caminhões dos Fuzileiros Navais e do Exército. Mais tarde (sempre em paralelo à fabricação de cofres), também construiu carrocerias blindadas para  transporte de valores.
A empresa tomaria rumo diverso a partir de 1972, quando foi instada pelo Exército a colaborar na modernização dos tanques M3-A1 Stuart, processo a cargo da Biselli, vindo a partir daí a se dedicar cada vez mais ao segmento militar. Na oportunidade, a Bernardini foi responsabilizada pela construção das suspensões e torre blindada para o novo veículo. As especificações definidas levaram a uma reforma tão profunda que deu origem a um novo tanque, o X1-A1, que evoluiu para o X1-A2 Carcará – primeiro carro de combate sobre lagartas construído no país. Entre 1978 e 1980 o Exército criou mais dois modelos a partir do chassi sobre lagartas do X1-A1, gerando nova família de equipamentos: o Carro Lançador Múltiplo de Foguetes XLF-40 e o Lançador de Ponte XLP-10. O primeiro dispunha de rampa para o lançamento de três foguetes X-40 Avibrás, com alcance de até 65 km, e quatro sapatas hidráulicas para estabilização; apenas um exemplar foi construído. O segundo carregava uma ponte de 10 m de comprimento com capacidade para 20 t, construída em alumínio estrutural, que podia ser lançada em três minutos através de sistema hidráulico totalmente automático; além do protótipo, foram produzidas mais quatro unidades. Derivado do X1-A1, em 1982 foi ainda montado um protótipo de blindado antiaéreo (denominado M3), equipado com mira ótica e quatro metralhadoras (3.200 tiros/min e 750 m de alcance) que, no entanto, não passou da fase de testes.
Em 1984 a Bernardini participaria do desenvolvimento de mais um tanque especializado, o Sherman M4 na versão anti-minas, que também se manteve no estágio de protótipo. Estes blindados médios, chegados ao Brasil em 1943, em plena II Guerra, já tinham sido objeto de duas tentativas de modernização, entre 1969 e 1975 (Ü Exército) e em 1977 (na própria Bernardini, quando foi projetada sua transformação em um lança-pontes de 20 m e capacidade de 30 t). A nova iniciativa envolveu a troca do motor MWM por um Scania de 400 cv, a eliminação da torre e seu canhão e a instalação, na dianteira, de dois roletes anti-minas com três toneladas de peso importados de Israel.
Dado o sucesso da modernização dos tanques Stuart, o Exército resolveu aplicar os mesmos conceitos à sua frota de 250 carros médios M-41 Walker Bulldog, comprada usada dos EUA no início da década de 60. Apesar de serem muito mais modernos do que os Stuart, eram acionados por um motor Continental a gasolina refrigerado a ar de 500 cv, que consumia inacreditáveis 3,3 litros/km. Além disso, suas revisões mecânicas vinham se tornando cada vez mais caras e difíceis pela necessidade de importação de componentes já raros no mercado. A partir de 1980 a frota de tanques começou a ser reformada: o motor foi trocado por um diesel Scania V8 turbinado com 400 cv (elevando a autonomia de 280 para 600 km), foram substituídos caixa, transmissão, lagartas, componentes da suspensão, rádio e sistema de pontaria, todos por outros de fabricação nacional; a blindagem frontal e a torre foram reforçadas e alguns exemplares ganharam saias de aço. O canhão original, de 76 mm, foi usinado e aumentado para 90 mm, permitindo padronizar sua munição com o Engesa Cascavel. O novo tanque recebeu a  denominação M41-C Caxias. A Bernardini produziu cerca de 150 unidades, além de kits de transformação exportados para as forças armadas de alguns países. Os tanques Caxias hoje compõem a maior parte da frota de blindados sobre esteira do Exército Brasileiro.
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Blindado sobre lagartas M41-C Caxias (fonte: site brasilemdefesa).











A experiência adquirida pelo Exército em todas estas realizações permitiu-lhe dar um passo mais ambicioso e projetar, junto com a Bernardini, o primeiro carro de combate sobre esteiras de concepção nacional. A idéia era ter um substituto para o Caxias que conjugasse “estado da arte”, máximo desempenho, confiabilidade e padronização com a mínima dependência externa, necessariamente levando em conta as restrições orçamentárias da Arma. O projeto teve início em 1979; quase cinco anos depois, em maio de 1984, foi feita a apresentação do produto final – o MB-3 Tamoyo (até então conhecido por X-30) – tanque médio de 30 t com 98% de nacionalização (em peso), inspirado no alemão Leopard II, então considerado um dos mais avançados no mundo. Era a seguinte a configuração mecânica do Tamoyo: motor traseiro V8 Scania diesel com dois turbocompressores e 736 cv; caixa de transmissão do Caxias, acoplada ao motor num conjunto de desmontagem rápida; freio hidromecânico com retarader, atuando na transmissão; suspensão por barras de torção e amortecedores, com seis rodas de apoio de cada lado (rodas de direção à frente). A torre, com mecanismo de giro elétrico, era equipada com um canhão de 90 mm; a cabine, para uma tripulação de quatro, dispunha de ar condicionado. O Tamoyo podia incorporar toda a tecnologia de ponta então disponível no setor bélico, tal como computador de tiro, pontaria a laser, proteção QRB (química, radiativa e biológica) e visores infravermelhos.
O projeto do Tamoyo foi elogiado pelo equilíbrio entre atualização tecnológica, simplicidade construtiva e de manejo – características comuns, aliás, no material bélico produzido no Brasil. Esta “simplicidade”, porém, nem sempre atendia ao mercado externo, e para atraí-lo a Bernardini lançou as versões mais sofisticadas Tamoyo II e III, ambas com motor V8 Detroit Diesel importado. A primeira, com potência de 736 cv e transmissão hidromecânica GE, recebeu blindagem composta aço-cerâmica, canhão inglês de 105 mm, visores noturnos, sistemas de estabilização (permitindo o tiro em movimento) e direção de tiro por computador. O Tamoyo III teria um motor com 900 cv, caixa Allison e blindagem ainda mais reforçada, além de ganhar telêmetro laser e todo o restante equipamento já previsto na versão intermediária.
Foram construídos apenas cinco exemplares do Tamoyo: o melhor produto da Bernardini seria, ao mesmo tempo, o seu “canto de cisne”. Em meio a cortes orçamentários e à proliferação da oferta, a baixo preço, de equipamentos estrangeiros usados, no início da década de 90 o Programa Militar Brasileiro entrou em crise, sua sentença de morte chegando com a retirada, pelo governo Collor, do restante apoio ao desenvolvimento nacional de equipamentos militares.
Os dois últimos projetos militares da Bernardini foram viaturas leves de apoio. Em 1985 preparou o jipe Xingu (inicialmente Vitória) para participar de concorrências do Exército e Fuzileiros Navais. Na prática, tratava-se apenas de uma versão militarizada do Toyota Bandeirante, com bitola alargada e três comprimentos de chassi. As alterações eram as usuais para o tipo de veículo: guincho, acoplamento para reboque, para-brisa rebatível, santantônio, faróis militares e suspensão reforçada. Em 1988 a empresa começou a produzir o veículo anti-distúrbio AM-IV 4×4, um pequeno blindado montado sobre o chassi curto do mesmo Toyota, com três portas (uma traseira), escotilha no teto, seteiras, lançadores de granadas de gás, ar condicionado e filtro contra gases na cabine. O carro foi dotado de freios a disco ventilados na frente, embreagem hidráulica e dois tanques de combustível com alimentação pelo interior da cabine. Cerca de 50 veículos foram fabricados, a maior parte exportada para o Chile.
A produção desses carros deu uma sobrevida à Bernardini mas não foi suficiente para sustentar seu parque industrial. Suspenso o apoio financeiro do Exército, logo foi interrompido o desenvolvimento do tanque Tamoyo (situação agravada pela competição suicida da Engesa, que projetava um equipamento concorrente – o Osório). Sem um produto competitivo no mercado externo e sem encomendas internas, a situação da empresa rapidamente se agravou.
Em 1993 sua maior concorrente, a Engesa, encerrava as atividades. A partir de 1996 o Brasil volta a importar excedentes de guerra para equipar suas Forças Armadas, como fazia trinta anos antes. Em 2001, por fim, também a quase centenária Bernardini cerra definitivamente as portas.


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