Jamy: A Empresa que Sonhou com Veículos Militares e Revolucionou o Combate a Incêndio em Aeroportos Brasileiros
A Jamy Indústria e Comércio de Máquinas e Ferramentas Ltda. foi uma das mais emblemáticas, embora efêmeras, empresas de engenharia e produção de bens de capital do Brasil nas décadas de 1970 e início dos anos 1980. Sedida no Rio de Janeiro (RJ), inicialmente especializada na fabricação de prensas hidráulicas, furadeiras industriais e máquinas extrusoras, a Jamy transitou com brilhantismo para o setor de veículos especiais, tornando-se pioneira na produção nacional de carros de combate a incêndio para aeroportos e, posteriormente, ousando na concepção de veículos militares leves altamente inovadores. Sua trajetória — marcada por engenhosidade técnica, visão estratégica audaciosa e limitações gerenciais — reflete tanto o potencial quanto os desafios enfrentados pela indústria brasileira de defesa e segurança em um período de forte nacionalismo tecnológico.
Origens e Transição para Veículos Especiais
Fundada na década de 1960, a Jamy construiu sólida reputação no segmento de máquinas-ferramenta. No entanto, foi no início dos anos 1970 que sua trajetória mudou radicalmente, impulsionada por uma demanda específica do Ministério da Aeronáutica: a necessidade de veículos de combate a incêndio em aeroportos, conhecidos internacionalmente como RIV (Rapid Intervention Vehicle).
Até então, o Brasil dependia de importações para esse tipo de equipamento crítico. A Jamy, com notável capacidade de engenharia reversa e adaptação, projetou e produziu os primeiros modelos nacionais:
Pioneiro I e Pioneiro II: Os Primeiros RIVs Brasileiros
- Base mecânica: caminhões Chevrolet 4×4 a gasolina, com motor de 131 cv;
- Pioneiro I:
- Capacidade de 1.800 litros de água, mais tanques de espuma e pó químico;
- Projetado para ataque rápido em incêndios de aeronaves.
- Pioneiro II:
- Equipado apenas com sistema de pó químico, voltado para incêndios elétricos ou de combustível.
Mais de 180 unidades foram entregues a aeroportos de todo o país, consolidando a Jamy como referência nacional em segurança aeroportuária.
Além disso, a empresa também desenvolveu as primeiras varredeiras mecânicas fabricadas no Brasil, montadas sobre chassis Mercedes-Benz 1114, equipadas com escovas rotativas e sistema de sucção de alta potência acionado por motor diesel auxiliar. Essas “limpa-pistas” foram amplamente utilizadas em terminais aéreos, aumentando a eficiência operacional das pistas.
O Salto Tecnológico: Pioneiro III e o Sistema Jamy 4
Em 1976, a Jamy venceu nova licitação do Ministério da Aeronáutica, desta vez para fornecer carros-bombeiro de “ataque principal” — veículos maiores, mais rápidos e com maior capacidade de supressão de incêndios.
O resultado foi o Pioneiro III, desenvolvido com base em especificações do Centro Técnico Aeroespacial (CTA):
- Chassi: Scania L-111, originalmente com tração traseira;
- Conversão para 4×4: execução integral pela Jamy, incluindo:
- Caixa de transferência;
- Juntas homocinéticas;
- Sistema pneumático de engate da tração integral;
- Roda-livre nas rodas dianteiras.
- Esse conjunto foi batizado comercialmente de Jamy 4, oferecido como kit de conversão para qualquer caminhão nacional — uma tentativa clara de competir com a Engesa, que dominava o mercado de tração integral com seu sistema Tração Total desde 1966.
O Pioneiro III trazia inovações notáveis:
- Capacidade: 7.000 litros de água + espuma;
- Canhão d’água telecomandado com alcance de 70 metros;
- Cabine para 6 bombeiros;
- Alta mobilidade tática em pista e entorno de aeroportos.
O veículo foi apresentado com destaque na I Brasil Transpo, em agosto de 1978. Para marcar essa nova fase, a empresa alterou sua razão social para Sociedade Industrial de Equipamentos Especiais Ltda., embora mantivesse a marca Jamy.
Aposta na Defesa: Os Projetos Militares Safo e Safo Comando
A mudança de nome não era apenas formal: refletia uma ambição maior — entrar no mercado de veículos militares, dominado quase que exclusivamente pela Engesa com seus EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu.
Em parceria com o Instituto Militar de Engenharia (IME), a Jamy desenvolveu dois protótipos revolucionários:
1. Safo – Sistema de Alta Flexibilidade Operacional
- Concebido como veículo aerotransportável leve para operações em qualquer terreno;
- Motor: Volkswagen 1300 refrigerado a ar, 38 cv;
- Tração: 4×4 permanente;
- Transmissão: por correntes, com freios a disco nas saídas da caixa de transferência;
- Pneus: largos, de baixa pressão, ideais para areia, lama e solo instável;
- Sistema único de redução de comprimento:
- Plataforma traseira rebatível e braços de suspensão articuláveis;
- Comprimento reduzido de 3,24 m para 2,45 m, facilitando transporte aéreo (ex.: por helicóptero ou avião C-130);
- Versões planejadas: transporte de tropas, carga, antitanque, porta-morteiro, canhão e metralhadora.
2. Safo Comando
- Um salto conceitual ainda maior — antecipando em quase 20 anos a Viatura Leve de Emprego Geral (VLEGA) Gaúcho do século XXI;
- Estrutura: chassi tubular de aço, com gaiola de proteção (santantônio) integrada;
- Motor: Chevrolet a álcool, 171 cv, montado na traseira;
- Transmissão: automática com conversor de torque;
- Tração: 4×4 com diferencial autoblocante;
- Suspensão: independente em todas as rodas, com molas helicoidais;
- Direção hidráulica e freios a disco nas saídas do diferencial;
- Guincho: acionado por tomada de força da caixa de transferência;
- Rodas e pneus: do Dodge Commando (WWII), padrão então em uso pelo Exército Brasileiro — o Safo Comando visava substituí-lo diretamente.
Dois protótipos de cada modelo foram construídos e testados com sucesso em campo. Contudo, nenhuma encomenda foi formalizada — um golpe duro para uma empresa já sob pressão financeira.
Colapso e Legado
Apesar de sua excelente equipe técnica, a Jamy sofria com fraca gestão administrativa, excessiva verticalização (produzia quase todos os componentes internamente) e altos custos operacionais. Sem encomendas militares e com o mercado civil limitado, a empresa entrou em processo de falência em 1981, encerrando suas atividades menos de uma década após seu ápice.
No entanto, seu legado permanece vivo:
- Foi a primeira empresa brasileira a produzir veículos de combate a incêndio aeroportuários, rompendo com a dependência de importações;
- Desenvolveu o sistema Jamy 4, uma alternativa nacional ao monopólio da Engesa;
- Criou conceitos avançadíssimos para a época, como o Safo Comando, que prefigurava veículos leves modernos como o GAZ Tigr, Otokar Cobra ou o próprio VLEGA Gaúcho;
- Demonstrou que parcerias entre indústria e instituições militares (como o IME) podiam gerar inovação genuinamente brasileira.
Ficha Técnica Comparativa – Principais Veículos Jamy
Conclusão
A Jamy foi uma empresa à frente de seu tempo. Em um Brasil que buscava autonomia tecnológica, ela não apenas respondeu a demandas táticas — como a segurança aeroportuária —, mas ousou imaginar futuros possíveis para a mobilidade militar leve. Seus projetos combinavam simplicidade, funcionalidade e inovação, características raras mesmo hoje.
Sua falência em 1981 não apaga seu mérito: ao contrário, serve como lição sobre a necessidade de equilíbrio entre engenharia de ponta e gestão estratégica, além de um lembrete de que o apoio institucional contínuo é essencial para que ideias nacionais se transformem em capacidade operacional duradoura.
A Jamy pode ter desaparecido, mas seus Pioneiros ainda protegem aeroportos, e seus Safos permanecem como visões visionárias do que o Brasil poderia ter construído — se tivesse apostado mais em si mesmo.
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