TRANSPORTES DO MUNDO TODO DE TODOS OS MODELOS: Jamy: A Empresa que Sonhou com Veículos Militares e Revolucionou o Combate a Incêndio em Aeroportos Brasileiros

04 novembro 2025

Jamy: A Empresa que Sonhou com Veículos Militares e Revolucionou o Combate a Incêndio em Aeroportos Brasileiros

 Jamy: A Empresa que Sonhou com Veículos Militares e Revolucionou o Combate a Incêndio em Aeroportos Brasileiros

A Jamy Indústria e Comércio de Máquinas e Ferramentas Ltda. foi uma das mais emblemáticas, embora efêmeras, empresas de engenharia e produção de bens de capital do Brasil nas décadas de 1970 e início dos anos 1980. Sedida no Rio de Janeiro (RJ), inicialmente especializada na fabricação de prensas hidráulicas, furadeiras industriais e máquinas extrusoras, a Jamy transitou com brilhantismo para o setor de veículos especiais, tornando-se pioneira na produção nacional de carros de combate a incêndio para aeroportos e, posteriormente, ousando na concepção de veículos militares leves altamente inovadores. Sua trajetória — marcada por engenhosidade técnica, visão estratégica audaciosa e limitações gerenciais — reflete tanto o potencial quanto os desafios enfrentados pela indústria brasileira de defesa e segurança em um período de forte nacionalismo tecnológico.


Origens e Transição para Veículos Especiais

Fundada na década de 1960, a Jamy construiu sólida reputação no segmento de máquinas-ferramenta. No entanto, foi no início dos anos 1970 que sua trajetória mudou radicalmente, impulsionada por uma demanda específica do Ministério da Aeronáutica: a necessidade de veículos de combate a incêndio em aeroportos, conhecidos internacionalmente como RIV (Rapid Intervention Vehicle).

Até então, o Brasil dependia de importações para esse tipo de equipamento crítico. A Jamy, com notável capacidade de engenharia reversa e adaptação, projetou e produziu os primeiros modelos nacionais:

Pioneiro I e Pioneiro II: Os Primeiros RIVs Brasileiros

  • Base mecânica: caminhões Chevrolet 4×4 a gasolina, com motor de 131 cv;
  • Pioneiro I:
    • Capacidade de 1.800 litros de água, mais tanques de espuma e pó químico;
    • Projetado para ataque rápido em incêndios de aeronaves.
  • Pioneiro II:
    • Equipado apenas com sistema de pó químico, voltado para incêndios elétricos ou de combustível.

Mais de 180 unidades foram entregues a aeroportos de todo o país, consolidando a Jamy como referência nacional em segurança aeroportuária.

Além disso, a empresa também desenvolveu as primeiras varredeiras mecânicas fabricadas no Brasil, montadas sobre chassis Mercedes-Benz 1114, equipadas com escovas rotativas e sistema de sucção de alta potência acionado por motor diesel auxiliar. Essas “limpa-pistas” foram amplamente utilizadas em terminais aéreos, aumentando a eficiência operacional das pistas.


O Salto Tecnológico: Pioneiro III e o Sistema Jamy 4

Em 1976, a Jamy venceu nova licitação do Ministério da Aeronáutica, desta vez para fornecer carros-bombeiro de “ataque principal” — veículos maiores, mais rápidos e com maior capacidade de supressão de incêndios.

O resultado foi o Pioneiro III, desenvolvido com base em especificações do Centro Técnico Aeroespacial (CTA):

  • Chassi: Scania L-111, originalmente com tração traseira;
  • Conversão para 4×4: execução integral pela Jamy, incluindo:
    • Caixa de transferência;
    • Juntas homocinéticas;
    • Sistema pneumático de engate da tração integral;
    • Roda-livre nas rodas dianteiras.
  • Esse conjunto foi batizado comercialmente de Jamy 4, oferecido como kit de conversão para qualquer caminhão nacional — uma tentativa clara de competir com a Engesa, que dominava o mercado de tração integral com seu sistema Tração Total desde 1966.

O Pioneiro III trazia inovações notáveis:

  • Capacidade: 7.000 litros de água + espuma;
  • Canhão d’água telecomandado com alcance de 70 metros;
  • Cabine para 6 bombeiros;
  • Alta mobilidade tática em pista e entorno de aeroportos.

O veículo foi apresentado com destaque na I Brasil Transpo, em agosto de 1978. Para marcar essa nova fase, a empresa alterou sua razão social para Sociedade Industrial de Equipamentos Especiais Ltda., embora mantivesse a marca Jamy.


Aposta na Defesa: Os Projetos Militares Safo e Safo Comando

A mudança de nome não era apenas formal: refletia uma ambição maior — entrar no mercado de veículos militares, dominado quase que exclusivamente pela Engesa com seus EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu.

Em parceria com o Instituto Militar de Engenharia (IME), a Jamy desenvolveu dois protótipos revolucionários:

1. Safo – Sistema de Alta Flexibilidade Operacional

  • Concebido como veículo aerotransportável leve para operações em qualquer terreno;
  • Motor: Volkswagen 1300 refrigerado a ar, 38 cv;
  • Tração: 4×4 permanente;
  • Transmissão: por correntes, com freios a disco nas saídas da caixa de transferência;
  • Pneus: largos, de baixa pressão, ideais para areia, lama e solo instável;
  • Sistema único de redução de comprimento:
    • Plataforma traseira rebatível e braços de suspensão articuláveis;
    • Comprimento reduzido de 3,24 m para 2,45 m, facilitando transporte aéreo (ex.: por helicóptero ou avião C-130);
  • Versões planejadas: transporte de tropas, carga, antitanque, porta-morteiro, canhão e metralhadora.

2. Safo Comando

  • Um salto conceitual ainda maior — antecipando em quase 20 anos a Viatura Leve de Emprego Geral (VLEGA) Gaúcho do século XXI;
  • Estrutura: chassi tubular de aço, com gaiola de proteção (santantônio) integrada;
  • Motor: Chevrolet a álcool, 171 cv, montado na traseira;
  • Transmissão: automática com conversor de torque;
  • Tração: 4×4 com diferencial autoblocante;
  • Suspensão: independente em todas as rodas, com molas helicoidais;
  • Direção hidráulica e freios a disco nas saídas do diferencial;
  • Guincho: acionado por tomada de força da caixa de transferência;
  • Rodas e pneus: do Dodge Commando (WWII), padrão então em uso pelo Exército Brasileiro — o Safo Comando visava substituí-lo diretamente.

Dois protótipos de cada modelo foram construídos e testados com sucesso em campo. Contudo, nenhuma encomenda foi formalizada — um golpe duro para uma empresa já sob pressão financeira.


Colapso e Legado

Apesar de sua excelente equipe técnica, a Jamy sofria com fraca gestão administrativa, excessiva verticalização (produzia quase todos os componentes internamente) e altos custos operacionais. Sem encomendas militares e com o mercado civil limitado, a empresa entrou em processo de falência em 1981, encerrando suas atividades menos de uma década após seu ápice.

No entanto, seu legado permanece vivo:

  • Foi a primeira empresa brasileira a produzir veículos de combate a incêndio aeroportuários, rompendo com a dependência de importações;
  • Desenvolveu o sistema Jamy 4, uma alternativa nacional ao monopólio da Engesa;
  • Criou conceitos avançadíssimos para a época, como o Safo Comando, que prefigurava veículos leves modernos como o GAZ Tigr, Otokar Cobra ou o próprio VLEGA Gaúcho;
  • Demonstrou que parcerias entre indústria e instituições militares (como o IME) podiam gerar inovação genuinamente brasileira.

Ficha Técnica Comparativa – Principais Veículos Jamy

Ano
1970–1975
1978
1979–1980
1980–1981
Base
Chevrolet 4×4
Scania L-111 (convertido para 4×4)
Chassi próprio
Chassi tubular próprio
Motor
Gasolina, 131 cv
Diesel Scania
VW 1300, 38 cv
Chevrolet álcool, 171 cv (traseiro)
Tração
4×4
4×4 (sistema Jamy 4)
4×4 com correntes
4×4 com diferencial autoblocante
Capacidade
1.800 L (água/espuma/pó)
7.000 L + espuma
Até 600 kg carga
6 passageiros + equipamentos
Inovação-chave
Primeiro RIV nacional
Canhão telecomandado, 70 m
Comprimento reduzível
Suspensão independente, transmissão automática
Destino
Aeroportos brasileiros
Aeroportos
Protótipos (não produzido)
Protótipos (não produzido)

Conclusão

A Jamy foi uma empresa à frente de seu tempo. Em um Brasil que buscava autonomia tecnológica, ela não apenas respondeu a demandas táticas — como a segurança aeroportuária —, mas ousou imaginar futuros possíveis para a mobilidade militar leve. Seus projetos combinavam simplicidade, funcionalidade e inovação, características raras mesmo hoje.

Sua falência em 1981 não apaga seu mérito: ao contrário, serve como lição sobre a necessidade de equilíbrio entre engenharia de ponta e gestão estratégica, além de um lembrete de que o apoio institucional contínuo é essencial para que ideias nacionais se transformem em capacidade operacional duradoura.

A Jamy pode ter desaparecido, mas seus Pioneiros ainda protegem aeroportos, e seus Safos permanecem como visões visionárias do que o Brasil poderia ter construído — se tivesse apostado mais em si mesmo.


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JAMY

Jamy Indústria e Comércio de Máquinas e Ferramentas Ltda. era uma empresa fabricante de bens de capital do Rio de Janeiro (RJ), produtora de prensas hidráulicas, furadeiras industriais e máquinas extrusoras. No início dos anos 70, atendendo a demanda do Ministério da Aeronáutica, a empresa projetou e colocou em produção os primeiros veículos brasileiros de combate a incêndio em aeroportos, do tipo chamado ataque rápido, o Pioneiro I, equipado com tanques de água (1.800 l), espuma e pó químico, e o Pioneiro II, apenas com pó químico. Ambos eram construídos sobre caminhões Chevrolet a gasolina com 131 cv e tração 4×4, tendo sido fornecidos mais de 180 deles para diversos aeroportos do país. Também para a Aeronáutica a Jamy projetou e forneceu as primeiras varredeiras mecânicas aqui fabricadas; montadas sobre Mercedes-Benz 1114 e equipadas com escovas e aspiradores com alto poder de sucção acionados a motor diesel, foram aplicados como limpa-pistas em aeroportos.
Em 1976 a empresa venceu nova licitação do Ministério da Aeronáutica, agora para fornecer carros-bombeiro tipo ataque principal, mais rápidos e com maior poder de reação do que os anteriores. Denominado Pioneiro III, o caminhão foi desenvolvido segundo projeto do CTA. Desta vez foi utilizado como base mecânica um chassi Scania L-111, sobre o qual foi montada uma carroceria especial com cabine para seis homens, tanques de água (7.000 l) e espuma e um canhão d’água telecomandado com alcance de 70 metros. O chassi, originalmente com tração traseira, foi transformado em 4×4 pela própria Jamy, que para isto desenvolveu e colocou em produção todos os componentes necessários – caixa de transferência, juntas homocinéticas, roda-livre e sistema pneumático de engate da tração total (ao conjunto, disponibilizado para qualquer marca de caminhão nacional, foi dado o nome comercial Jamy 4). O Pioneiro III foi apresentado na I Brasil Transpo, em agosto de 1978; para construí-lo, a empresa alterou a razão social para Sociedade Industrial de Equipamentos Especiais Ltda..
A motivação para a mudança de nome, no entanto, era outra: ainda que tardiamente, a Jamy (que continuava a existir como marca) pretendia ingressar no segmento de veículos militares, no qual a Engesa reinava quase sozinha havia anos. (O sistema de tração Jamy 4, aliás, tinha como principal objetivo conquistar parte do mercado da Engesa, que desde 1966 dispunha de sistema equivalente, chamado Tração Total.) O primeiro projeto realizado sob as novas diretrizes da empresa foi a mula-mecânica Safo, desenvolvida em conjunto com o IME. Concebido como veículo aerotransportado para atuar em qualquer terreno, o Safo (sigla de Sistema de Alta Flexibilidade Operacional) era dotado de motor Volkswagen 1300 de 38 cv, tração nas quatro rodas, transmissão por correntes, quatro freios a disco instalados nas saídas da caixa de transferência e pneus largos de baixa pressão, próprios para solos moles e desconexos. O carro possuía um engenhoso sistema de suspensão, segundo o qual os braços traseiros (que encerravam as correntes que levavam o movimento da caixa de transferência às rodas) podiam ser articulados para adiante. Parte da plataforma de carga era então rebatida, ficando o comprimento total do veículo reduzindo a 2,45 m (79 cm a menos), interessante artifício para operações que envolvessem transporte aéreo. Estavam previstas várias versões: carga, transporte de tropas, anti-tanque, além de porta morteiros, canhões e metralhadoras.
O segundo projeto militar da Jamy, também desenvolvido com o IME, foi o Safo Comando. De concepção extremamente moderna para a época, antecedeu em quase 20 anos a Viatura Leve de Emprego Geral Gaúcho, construída com características semelhantes já no século XXI. Tinha estrutura tubular de aço, incluindo santantônio, motor traseiro Chevrolet a álcool (171 cv), diferencial autoblocante, suspensão independente por molas helicoidais, direção hidráulica e quatro freios a disco nas saídas do diferencial; a transmissão era automática, com conversor de torque e caixa de transferência com reduzida e tomada de força para guincho. Rodas e pneus eram do Dodge Commando norte-americano, veículo da II Guerra da categoria de 3,5 t, então ainda em uso pelo Exército Brasileiro, que o Safo se propunha substituir. Cada um dos modelos teve dois protótipos concluídos, mas, apesar de testados com sucesso, nenhum recebeu encomendas.
Dispondo de excelente equipe técnica, porém com fraca capacidade gerencial, a Jamy teve queda tão meteórica quanto foi a sua ascensão. Sem demanda, com excessiva verticalização e elevados custos administrativos, em 1981 a empresa entrou em processo de falência.

 

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