TRANSPORTES DO MUNDO TODO DE TODOS OS MODELOS: Moto-Peças S.A.: A Indústria Brasileira que Impulsionou a Defesa Nacional com Engenhosidade e Autonomia

06 novembro 2025

Moto-Peças S.A.: A Indústria Brasileira que Impulsionou a Defesa Nacional com Engenhosidade e Autonomia

 Moto-Peças S.A.: A Indústria Brasileira que Impulsionou a Defesa Nacional com Engenhosidade e Autonomia

Fundada em 1956, a Moto-Peças S.A. – Transmissões e Engrenagens tornou-se, na década de 1970, a maior indústria brasileira especializada na fabricação de componentes para câmbios e diferenciais. Com unidades industriais em São Paulo e Sorocaba (SP), a empresa não apenas dominou o setor automotivo civil, mas também desempenhou um papel estratégico e pioneiro na modernização do parque de equipamentos militares do Exército Brasileiro. Ao longo de três décadas, a Moto-Peças transformou-se num verdadeiro parceiro técnico das Forças Armadas, contribuindo para a soberania tecnológica, a autonomia logística e a capacidade de inovação do Brasil em matéria de defesa.


Origens e Ascensão Industrial

Nascida num Brasil em pleno processo de industrialização, a Moto-Peças surgiu com foco em transmissões mecânicas de alta precisão. Rapidamente, consolidou-se como fornecedora confiável para montadoras nacionais e internacionais. Contudo, foi na intersecção entre engenharia de precisão e necessidades militares que a empresa encontrou seu maior legado.

A partir de meados dos anos 1970, a Moto-Peças iniciou uma parceria técnica com o Exército Brasileiro, coordenada pelo Centro Tecnológico do Exército (CTEx). Essa colaboração marcou o início de uma era de nacionalização e revitalização de equipamentos obsoletos, numa época em que o país buscava reduzir a dependência de importações e aumentar sua capacidade de manutenção independente.


Primeiros Projetos Militares: Revitalizando a Artilharia

O primeiro grande marco dessa parceria foi a modernização de cerca de 30 tratores de artilharia M-4, originalmente fabricados pela norte-americana Allis-Chalmers na década de 1940. Esses veículos, essenciais para o deslocamento de peças de artilharia pesada, estavam obsoletos e com peças de reposição escassas.

A Moto-Peças executou uma reforma profunda:

  • Substituição do motor original por um Scania de 260 cv;
  • Troca completa da caixa de marchas e transmissão (projetadas e fabricadas internamente);
  • Renovação das esteiras, roletes e suspensão, fornecidos pela empresa Novatração, parceira estratégica.

O sucesso técnico desse projeto abriu as portas para missões ainda mais ambiciosas.


Caixas de Marcha para os Blindados X1A2 Carcará

Logo em seguida, a empresa foi convidada a desenvolver as caixas de marcha para a nova geração de blindados leves X1A2 Carcará, produzidos pela Bernardini S.A. — uma das mais importantes indústrias de defesa do Brasil na época.

Os Carcará eram o resultado da modernização dos tanques M3 Stuart da Segunda Guerra Mundial, transformados em veículos de reconhecimento ágeis e eficazes. A contribuição da Moto-Peças foi essencial para garantir desempenho, confiabilidade e manutenção simplificada desses veículos no campo de batalha.

Inspirada por essas experiências, a empresa cogitou, no final da década de 1970, expandir-se para o setor agrícola, com planos de fabricar no Brasil tratores da norte-americana White. Apesar do entusiasmo, o projeto nunca se concretizou, devido a restrições econômicas e à instabilidade do mercado agrícola naquele período.


Anos 1980: O Auge da Inovação Militar

A década de 1980 marcou o auge da atuação da Moto-Peças no setor de defesa, com projetos de grande complexidade técnica e alcance estratégico.

1. Conversão dos Tanques Sherman M4 em Veículos de Engenharia

Em parceria com o CTEx, a Moto-Peças liderou o projeto de transformar tanques Sherman M4 — herdados da Segunda Guerra e em grande número no estoque do Exército — em viaturas blindadas de engenharia militar.

O veículo resultante:

  • Utilizava o chassi, suspensão e transmissão original do Sherman;
  • Recebia lâmina frontal (intercambiável por caça-minas);
  • Incorporava grua hidráulica com lança rebatível, capaz de levantar até 10 toneladas;
  • Transportava tripulação de até 8 homens;
  • Pesava 29 toneladas e podia rebocar viaturas de até 40 t.

Apesar da engenhosidade, uma pré-série de 11 unidades foi produzida, mas os testes revelaram deficiências operacionais, e o projeto não foi homologado para produção em série.

2. Repotenciamento dos Obuseiros M108

Outro marco foi a modernização da frota de 72 obuseiros autopropulsados M108, recebidos dos EUA em 1972. Com motores Detroit V8 diesel de difícil manutenção, os obuseiros enfrentavam constantes problemas logísticos.

A Moto-Peças substituiu o motor original por um Scania nacional de 385 cv, garantindo:

  • Maior disponibilidade operacional;
  • Redução drástica de custos de manutenção;
  • Compatibilidade com a cadeia de suprimentos nacional.

3. Modernização dos Anfíbios M113 – Nascimento do M113-B

O projeto de maior impacto foi a reforma dos veículos anfíbios M113, cuja frota superava 500 unidades no Brasil. Originalmente movidos por um motor V8 Chrysler a gasolina de 215 cv, com consumo de 1 litro por quilômetro, os M113 eram logística e taticamente insustentáveis.

A Moto-Peças desenvolveu a versão M113-B, com:

  • Motor Mercedes-Benz OM 314 diesel, 6 cilindros, 180 cv;
  • Autonomia aumentada em mais de 70%;
  • Revisão completa dos sistemas elétrico, de alimentação e arrefecimento.

O primeiro lote foi entregue em novembro de 1985, tornando-se um dos maiores sucessos da engenharia de defesa nacional.

🔹 Ironia histórica: cerca de 25 anos depois, parte dessa mesma frota passaria por nova modernização — mas não mais por mãos brasileiras. Sob a lógica da globalização e desindustrialização, os trabalhos foram executados pela BAE Systems (Reino Unido) para o Exército e por uma empresa israelense para o Corpo de Fuzileiros Navais, simbolizando o retrocesso da capacidade nacional de defesa.


O Projeto Charrua: O Sonho do Anfíbio 100% Brasileiro

O mais ambicioso e emblemático projeto da Moto-Peças foi o desenvolvimento do Charrua, um veículo anfíbio de desembarque rápido, concebido a partir de 1983 para substituir os obsoletos M-59 (da Guerra da Coreia) e complementar os M113.

O Charrua (e sua evolução, o Charrua II) era uma obra-prima da engenharia militar brasileira:

  • Blindagem: resistente a tiros de 7,62 mm, com possibilidade de proteção contra calibre .50 mediante placas cerâmicas;
  • Motor: Scania de 394 cv, posicionado na dianteira direita;
  • Transmissão: caixa automática Allison (EUA), com 2 marchas à frente e ré;
  • Propulsão aquática: dois hidrojatos, permitindo alta manobrabilidade na água;
  • Suspensão: 10 barras de torção + 8 amortecedores;
  • Acesso: rampa traseira hidráulica, portas laterais e escotilhas no teto;
  • Capacidade: 3 tripulantes + 9 soldados (até 22 pessoas em versões especiais);
  • Versatilidade: 11 variantes planejadas, incluindo:
    • Comando;
    • Ambulância;
    • Oficina móvel;
    • Radar;
    • Lançador de mísseis;
    • Canhão de 155 mm;
    • Porta-morteiro de 120 mm.

Os testes, realizados pelas Forças Armadas (Exército e Marinha), demonstraram excelente desempenho tático, com capacidade de giro no próprio eixo em terra e ágil navegação em rios e zonas costeiras.

Infelizmente, com o colapso orçamentário pós-Guerra Fria e a queda nas exportações de material bélico, o projeto nunca saiu da fase de protótipos. Apenas dois exemplares foram construídos — hoje guardados como testemunhos de um Brasil que ousou sonhar com autonomia em defesa.


Sobrevivência num País em Crise Industrial

Enquanto a maioria das empresas nacionais de defesa — como Bernardini, Engesa, EEI — desapareceu ou foi desmontada nas décadas de 1990 e 2000, a Moto-Peças Transmissões S.A. conseguiu sobreviver. Não como gigante da indústria bélica, mas como especialista em transmissões de alta precisão, mantendo sua expertise técnica e sua razão social original.

Sua história é um símbolo de resiliência, mas também de alerta: o Brasil teve, sim, capacidade de inovar, projetar e produzir tecnologia de defesa soberana. O que faltou não foi talento — mas política industrial, continuidade estratégica e investimento de Estado.


Conclusão: Um Legado de Engenharia e Soberania

A Moto-Peças nunca fabricou um tanque completo, mas deu coração, nervos e músculos a dezenas de veículos que protegeram e mobilizaram as Forças Armadas brasileiras. Sua trajetória é um lembrete de que tecnologia de defesa não é privilégio de grandes potências, mas fruto de vontade nacional, parceria institucional e engenho local.

Hoje, em tempos de reindustrialização e busca por autonomia estratégica, o exemplo da Moto-Peças serve como inspiração e guia: o Brasil já fez — e pode fazer de novo.


#MotoPeças
#IndústriaDeDefesa
#SoberaniaTecnológica
#ForçasArmadasBrasileiras
#EngenhariaBrasileira
#HistóriaMilitarDoBrasil
#M113B
#ProjetoCharrua
#Desindustrialização
#AutonomiaEmDefesa
#CTEx
#ExércitoBrasileiro
#InovaçãoNacional
#IndústriaNacional
#DefesaEB
#VeículosMilitares
#EngenhariaMecânica
#PatrimônioTecnológico
#BrasilQueInova
#Indústria40
#ResistênciaIndustrial
#MotoPeçasTransmissões
#HistóriaDaIndústriaBrasileira
#NosNaTrilha
#DefesaComConhecimento

MOTO PEÇAS

Fundada em 1956, a Moto-Peças S.A. Transmissões e Engrenagens foi a maior indústria brasileira de componentes de câmbios e diferenciais da década de 70. Com instalações industriais em São Paulo e Sorocaba (SP) participou, sob coordenação do Exército, de diversos projetos de revitalização de equipamento militares ultrapassados ou de difícil manutenção. O trabalho conjunto com as Forças Armadas teve início em meados dos anos 70, quando modernizou cerca de 30 tratores de artilharia M-4, fabricados pela Allis-Chalmers na década de 40. A reforma envolveu a troca da caixa de marchas, transmissão, motor (por Scania de 260 cv), esteiras, roletes e suspensão (os três últimos fornecidos pela Novatração). Logo a seguir a empresa projetou e produziu as caixas de marcha para a série de blindados X-1A2 Carcará, fabricados pela Bernardini, estes derivados da modernização dos tanques M3 Stuart da II Guerra Mundial. Inspirada por estas duas experiências a Moto Peças cogitou, no final da década, também produzir máquinas para uso civil, esboçando planos de aqui fabricar tratores agrícolas da norte-americana White; a idéia, contudo, não frutificou.
No início da década seguinte, em conjunto com o CTEx, a empresa desenvolveu um projeto de aproveitamento dos velhos tanques Sherman M-4, dos quais o Exército possuía grande quantidade, transformando-os em carros blindados para engenharia. Montados sobre o chassi do M-4, do qual utilizava a suspensão e transmissão, foram equipados com lâmina frontal (intercambiável com um caça-minas) e grua hidráulica com lança rebatível e capacidade de içamento de até 10 t. Comportando tripulação de até oito homens, pesavam 29 t e conseguiam arrastar viaturas de até 40 t. Foi preparada uma pré-série de onze veículos, porém o resultado dos testes não foi satisfatório e o carro não chegou a ser homologado. Projeto mais bem sucedido foi o repotenciamento da frota de 72 obuseiros M-108 do Exército; fabricados na década de 60 e recebidos dos EUA em 1972, tiveram seu motor Detroit V8 diesel de cara manutenção substituído por um Scania nacional de 385 cv.
Na mesma época a Moto Peças foi responsabilizada pela modernização dos anfíbios M113, dando origem à série M113-B. Lançados em 1960, nos EUA, eram veículos leves para transporte de tropas (9 t), blindados em duralumínio, dos quais o Brasil recebera uma frota de mais de 500 dez anos depois. A reforma envolveu a substituição do motor original, um V8 Chrysler de 215 cv a gasolina, com o elevadíssimo consumo de um litro por quilômetro, por um diesel nacional (Mercedes-Benz de seis cilindros e 180 cv); mantendo o desempenho, a troca permitiu aumentar a autonomia em mais de 70%. Também foram substancialmente alterados os sistemas elétrico, de alimentação e arrefecimento. O primeiro lote reformado foi entregue em novembro de 1985.
(Sinal dos “novos tempos” de globalização, desnacionalização e desindustrialização do país, 25 anos depois parte da frota de M113-B do Exército passaria por nova modernização, só que então mediante convênio com os EUA e efetuada por uma empresa estrangeira – a britânica BAE Systems. Na mesma altura foi iniciada a reforma dos equipamentos pertencentes ao Corpo de Fuzileiros Navais, no caso realizada segundo projeto e sob supervisão de uma empresa israelense.)
O mais importante – e último – grande projeto de veículo militar com o qual a Moto Peças se envolveu foi o anfíbio rápido para desembarque de pessoal Charrua. Era intenção inicial do Exército apenas modernizar as viaturas M-59, oriundas da guerra da Coréia, porém acabou optando por criar uma nova família, agregando em um só veículo as qualidades do M-59 e do antigo M-113. Iniciados os estudos em 1983, o primeiro protótipo foi apresentado dois anos depois. Blindado para resistir a munições de 7,62 mm, podia ter proteção para armas com o dobro do calibre (até .50), mediante a aplicação de placas cerâmicas nas superfícies externas. Acionado por motor Scania de 394 cv, posicionado na dianteira direita, ao lado do operador, possuía caixa automática norte-americana Allison (duas marchas à frente e ré), suspensão por dez barras de torção e oito amortecedores hidráulicos e propulsão na água por dois hidrojatos. O acesso podia se dar pela larga rampa traseira de acionamento hidráulico, por duas portas localizadas na rampa ou por duas escotilhas no teto; o carro dispunha de seis seteiras e três periscópios, um deles para visão noturna.
Testado pelas Forças Armadas (também a Marinha por ele se interessou), o Charrua demonstrou excelente desempenho e facilidade de manobras tanto na terra (pela capacidade de girar em torno do próprio eixo) como na água (pela agilidade permitida pelo hidrojato). Alguns ajustes foram feitos no veículo, principalmente no exterior, originando o segundo protótipo, Charrua II. Em sua configuração básica o veículo transportava três tripulantes e nove soldados, podendo chegar ao total de 22; o peso variava entre 17 e 23 t, dependendo da versão. A enorme diversidade de usos (eram onze as versões disponíveis) era um dos principais atributos do Charrua: foi projetado para operar como carro-comando, ambulância, socorro, carro-oficina, comunicações, radar, antiaéreo, canhão de 155 mm, lançadores de mísseis, porta-morteiros de 120 mm e transporte de cargas.
O Charrua II permaneceu em testes até os anos 90. Apesar de seus dotes, o corte radical de orçamento sofrido pelas Forças Armadas impediu que o modelo fosse colocado em produção. Em paralelo, a redução das exportações, que levou a indústria brasileira de material bélico à quase extinção, acabou por inviabilizar o projeto, que ficou reduzido aos dois protótipos. Embora se tenha enfraquecido com a falta de encomendas, a Moto Peças – ao contrário da quase totalidade das empresas nacionais envolvidas com o desenvolvimento de material de defesa – conseguiu sobreviver, ainda hoje operando sob a razão social Moto Peças Transmissões S.A..
<motopecas.com.br>

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário